quinta-feira, 18 de setembro de 2008

AS DUAS FACES DA NOITE!


VIAGEM AO INTERIOR DA NOITE!

Eram 22,30 horas quando, mais uma vez, entrei numa das carrinhas da Comunidade Vida e Paz, instituição de faço parte, e que, pela noite fora, transportaria alimentos para muitos dos sem-abrigo de Lisboa.
A maresia já se sentia agarrada aos ossos.
A primeira paragem foi no viaduto do Aeroporto, aí teríamos de deixar comida e leite para o X e para o Y que dormia sempre com o seu cão ao lado. Eles já estavam à espera.
Destaparam a cabeça e olharam-me com a ansiedade de quem já nos aguardava há muito. Tudo normal. A ferida na perna do X estava melhor, os medicamentos haviam-lhe feito bem!
Dali para a Praça de Espanha onde o espectáculo é, no mínimo, chocante.
Como é isto possível em pleno coração da Cidade?
Dormiam ali pessoas pior que animais.
Falei com o T que andava metido nas duras.
Disse-me que não. Não estava ainda preparado para a recuperação. Mas senti que a decisão poderia estar perto.
Aconselhei-o, incentivei-o, na esperança de que, na próxima vez, ele já poderia estar decidido.
Em frente, rumo ao Marquês de Pombal, distribuição normal. Apenas o habitual Z me perguntou se sabia o resultado do Benfica.
Ganhou, respondi!
Os olhos dele ganharam uma nova luz e, com um sorriso nos lábios, puxou a manta para cima da cabeça.
Era meia-noite quando a carrinha chegava à Praça da Alegria.
Aparentemente parecia não haver ninguém. Eis senão, quando, de repente, surgem de entre os arbustos uma dezenas de pessoas.
Eram, sobretudo, imigrantes de Leste, a quem a vida não estava a correr bem e que procuravam comida avidamente.
A distribuição foi ordeira, todos ocuparam o seu lugar na fila.
Passado o Príncipe Real, onde ficou alguma roupa, rumamos para o Chiado onde obtivemos uma grande vitória.
O S pediu-nos para o internarmos num dos nossos Centros de acolhimento.
Queria regenerar-se!
Foi uma verdadeira alegria para toda a equipa.
Pelas 3,30horas demos por terminada a volta dessa noite que se repetirá por 363 noites.
Só em duas noites, pelo Natal, não há distribuição!
Ao regressar, vi pessoas com trajes elegantes saindo de discotecas!
Vi bons carros arrancarem a toda a velocidade, tentando que seu donos recuperassem o atraso no sono.
No silêncio da madrugada, ouvi ainda gargalhadas, lá ao longe, de quem saía de 2ªs sessões.
Já na cama, ainda via os trajes reluzentes e as gargalhadas não me saiam dos ouvidos.
Estranha sociedade esta! Ainda exclamei.
JPL
Nota: realizada há mais de um ano.

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito dura, esta sua crónica. Um grito de alarme para todos nós que tudo temos e que tanto nos queixamos. Um obrigada em nome de toda a sociedade!

Anónimo disse...

E nós, nesta sociedade ultra consumista, nem dos damos conta de tantos outros, nossos irmãos afinal, que nada têm!
Nem uma palavra amiga!
Fez bem Pereira Lopes em lançar este grito de alerta.
Alvaro Pontes